'Digitalização' defendida por Guedes mostra desconhecimento do papel do Estado

 

Mais um discurso do governo Bolsonaro tem gerado preocupação. Há algumas semanas, o ministro da Economia, Paulo Guedes, que segue insistindo no fim da aposentadoria dos brasileiros com a reforma da Previdência (PEC 6/19), declarou que não pretende realizar concursos públicos nos próximos anos e que o governo deve "investir na digitalização". Com isso, a Condsef/Fenadsef acredita que o ministro passa um atestado de desconhecimento do que significa e representa o Estado e todo o setor público, bem como o que assegura a Constituição brasileira a respeito.

Seguem apreensivos aqueles que esperam ver ideias, propostas e projetos que tirem a economia e o Brasil da estagnação em que foi colocado. Um cenário agravado nos últimos anos por sucessivas crises políticas e institucionais. Muitos podem ser levados a achar que a tecnologia, estampada na chamada indústria 4.0, pode ser o caminho para serviços públicos mais eficazes. Para a Condsef/Fenadsef, há um perigo e um grave equívoco nesse discurso.

Uma diferença importante precisa ficar clara para a população usuária e que tem direito constitucional de acesso a serviços públicos: política pública se faz com pessoas, para pessoas. "Uma coisa é pensar a tecnologia como aliada. A outra é abrir mão de pessoas em serviços onde elas são indispensáveis", destaca Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da Condsef/Fenadsef. 

Quando se fala em atendimento público não é possível imaginar um cenário sem servidores para executar serviços essenciais. São muitos os serviços que exigem para além de capacidades específicas, a presença de trabalhadores, equipes bem estruturadas, pessoal qualificado, para que o serviço seja fornecido com qualidade. "Casos como o episódio em Brumadinho mostram o grande alcance que o Estado e o setor público têm na vida das pessoas", pondera Sérgio.  

No dia a dia e nas emergências

Em Brumadinho foi possível ver a atuação de servidores públicos desde o primeiro momento, no socorro imediato a vítimas, feito pelo SUS (Sistema Único de Saúde), até na necessidade visível de aumentar a capacidade de fiscalização, ou seja, aumentar o número de servidores, claramente insuficiente para a tarefa de fiscalização de centenas de barragens que está só em Minas Gerais, fora outras demandas, o que deveria anteceder o episódio e envolve também a punição daqueles que explorem nossas riquezas e afetem vidas e o meio ambiente. 

Ainda no episódio em Brumadinho, a importância do setor público pôde ser vista na atuação de pesquisadores de universidades públicas que na ocasião foram imediatamente acionados e buscaram formas de evitar que a lama atingisse rios importantes do País. O atendimento a afetados, comunidades indígenas inclusas, que viviam da pesca de rios atingidos pela lama, também foi tarefa do Estado. "O serviço público está não só em nosso cotidiano de muitas formas, mas também em momentos de grande emergência para o conjunto da sociedade, como em chuvas fortes como as que atingiram ontem e hoje o estado do Rio”, lembrou Sérgio. “Devemos defender o setor público, pois pagamos impostos para que a União nos devolva em serviços que são também um direito de todos nós", pontua o secretário-geral a Confederação. 

Vinte anos sem investimento

A própria intenção de Paulo Guedes de investir na ‘digitalização’ no setor público pode ser um desafio a não ser cumprido. Aprovada no final de novembro de 2016, durante governo Temer, a Emenda Constitucional (EC) 95/16 congela investimentos públicos por até 20 anos. Não há no mundo precedente para duas décadas de uma política de austeridade dessa amplitude. As consequências já estão sendo sentidas com cortes bilionários em setores estratégicos ao Brasil. Na educação houve um corte recente de mais de R$ 5 bilhões. Somado a venda de estatais importantes e que geram desenvolvimento ao País, o cenário futuro é preocupante.

Na direção do que propõe Guedes, a Condsef/Fenadsef acredita que computadores e tecnologia podem ser aliados importantes. Em pesquisa, educação, na cultura, na preservação de nossas memórias, na aplicação de técnicas que podem garantir até mesmo economia, mas certamente não terão a mesma eficiência em outros campos. Pensemos nos servidores que prestam atendimento à saúde, na tarefa de formar dos professores, nos servidores que promovem o controle e combate a endemias, muitos arriscando a vida em trabalhos insalubres. 

Pensemos naqueles que também se arriscam para garantir fiscalização no trabalho, para assegurar o cumprimento de leis, no combate à exploração de outros trabalhadores, na defesa do meio ambiente e também na fiscalização de nossas receitas, no combate à sonegação que só em um ano nos deixou com menos R$500 bi no orçamento, naqueles que atuam na agricultura, no controle sanitário, nos transportes, na segurança, enfim, na implantação de políticas públicas que melhorem a vida dos brasileiros. Pensar a administração pública como mera burocracia, como apenas "gasto" e não como investimento, é negar aos brasileiros a possibilidade de um País desenvolvido.