No dia 8 de março, mulheres de todo o país foram às ruas chamar atenção para a discriminação de gênero. Era mais um dia de luta para as camponesas. Elas não querem apenas flores. Querem uma sociedade mais justa para com elas. Continuam ganhando menos que os homens, sofrem 4 espancamentos por minuto, a grande maioria é responsável pela criação de filhos e filhas, morrem por causa de abortos clandestinos e são consideradas culpadas pelos estupros que sofrem e são usadas como mercadoria sexual.
Longe de serem recatadas e do lar, as mulheres do campo lutam contra a pobreza, violência e agora mais, lutam para que não sejam impedidas de se aposentarem por este governo golpista. Logo após a marcha realizada no dia 8 deste mês pelas ruas de Cuiabá, com sol a pino, ainda sobrou forças para uma longa mas produtiva conversa com Lucinéia Freitas, a Lú, da coordenação estadual do MST.
Guerreira, com fortes convicções políticas, assim como tantas outras camponesas. Nenhum direito a menos!
Fotos: Mário Hashimoto
O que representa o dia 8 de março para as mulheres do MST?
O 8 de março para as mulheres do MST é o momento de fazermos a denúncia de que se o capitalismo oprime homens e mulheres, trabalhadores e trabalhadoras, o machismo, que é uma base do capitalismo atinge muito fortemente as mulheres. Então é o momento de fazer essa denúncia, da relação que existe entre o capital e o machismo que maltrata, espanca e assassina mulheres cotidianamente em todas partes do mundo, mas muito fortemente no nosso Estado que tem altíssimo índice de feminicídio.
A reforma agrária no país anda a passos de tartaruga?
As medidas deste governo golpista impede a realização de assentamentos e isso atinge fortemente as mulheres porque hoje um grupo muito grande, porque não dizer a maioria que estão em acampamentos são mulheres. São mulheres que buscam essa volta para a terra porque na cidade, por todo o processo que foi o desenvolvimento do capital na cidade, elas não conseguem mais ter vida honrada, trabalho digno para ela e seus filhos. As medidas que o governo toma de criminalizar a luta, de tentar impedir a realização da reforma agrária atinge fortemente as mulheres que são responsáveis pela família, que são chefes de família, que são mães solteiras, uma realidade de grande parte das mulheres. Então por isso a gente denuncia a não realização da reforma agrária e a estrangeirização de terras brasileiras.
Uma das reclamações do MST é que os governos do Partido dos Trabalhadores (PT) não funcionaram a contento e que não realizaram quase nada de assentamentos.
Isso é real. O governo do PT, de Lula e Dilma, eles até fizeram algumas políticas importantes e necessárias para famílias que já estavam assentadas, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Pnae que é a política de alimentação escolar. São políticas bastantes importantes para as famílias que já estavam assentadas, mas no quesito da desconcentração das áreas foram os governo que menos fizeram assentamentos, principalmente no governo Dilma que em certos períodos fez menos assentamentos que Sarney, Collor. Então, para os trabalhadores que estão embaixo da lona, não foi um governo que ajudou a desenvolver a luta nesse sentido.
Quantos assentamentos há em Mato Grosso?
Como no Estado existem diversos assentamentos de luta pela terra eu não tenho números gerais. O MST tem conquistado em Mato Grosso 45 assentamentos e aproximadamente 5 mil famílias assentadas e hoje temos 1.200 famílias acampadas.
Mas as terras são produtivas e estão funcionado?
Os nossos assentamentos têm uma produtividade muita alta. Para se ter ideia o acampamento padre José Ten Cate, em Jaciara, no último período de safra, período que se mais produz principalmente as coisa que a terra dá sem grande investimento como abóbora, mandioca e milho, a gente conseguiu fazer doações para as famílias carentes de Jaciara e Juscimeira. Parte da alimentação daquilo que a gente não produz como café e alho que são produtos mais difíceis a gente compra, mas o grosso da mistura vem tudo dos nossos acampamentos e assentamentos.
O ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) Blairo Maggi é considerado o “rei da soja”. Como o MST vê essa questão de ter um latifundiário à frente de um ministério tão importante?
O Ministério da Agricultura nunca foi um ministério para a agricultura familiar. Ele é um ministério do agronegócio, inclusive ele poderia ter esse nome, ministério do agronegócio. E sempre teve representado por pessoas vinculadas ao agronegócio e o Blairo Maggi vem nessa linha. Então vem o Mapa querendo ampliar a liberação de defensivos agrícolas, mesmo sem estudos, relativizando os estudos ambientais e da saúde para a liberação de agrotóxicos e isso atinge diretamente a vida da população porque a gente está se envenenando por produtos ou que foi reprovado ou que nem foi analisado, o que é muito grave. A gente sabe que o agronegócio se estrutura sobre terra pública, terra que seria para uso da reforma agrária. A Constituição é clara. As terras públicas devem ser destinadas para a reforma agrária e no entanto essas terras são ocupadas pelo agronegócio e quando o Incra tenta fazer assentamentos nessas áreas vai para a Justiça e na morosidade dela, com o poder político e econômico desses proprietários, Blairo Maggi é um deles, esse processo transcorre por 20, 30 anos e acaba dando em nada. Então ele não tem interesse nenhum em fazer o assentamento dar certo, nem realizar assentamento.
Nos órgãos governamentais, em sua maioria, os cargos são indicação política. Como você vê isso e se o Incra de Mato Grosso está fazendo alguma coisa em prol da reforma agrária?
O Incra nos últimos anos ele tem sido sistematicamente sucateado. E esse sucateamento impossibilita ele de cumprir integralmente a sua função. O problema é que alguns infelizmente não compreendem a importância da reforma agrária como uma política não apenas social mas também como política econômica, porque gera renda, trabalho digno para milhares de famílias, mas também têm trabalhadores que entendem a luta e sabem da importância da reforma agrária e da função do órgão nesse processo, mas que, pelo sucateamento não tem condições de realizar suas tarefas como deveria. Então a gente pode dizer que na realidade como os cargos de chefia e de decisão são cargos políticos, o servidor de ponta tem pouca autonomia de encaminhamento e que nos últimos anos ele foi desmontado justamente para não realizar assentamentos e quando o fizer, fazer com que esses assentamentos não deem certo, para justificar que a reforma agrária não é necessária.
Com a Reforma da Previdência que o governo Temer quer implantar e que prejudica sobremaneira as mulheres, principalmente as do campo. Qual a sua opinião sobre a PEC 287?
Essa reforma da Previdência ao igualar a idade em 65 anos, a mulher camponesa vai perder 10 anos no seu processo para aposentadoria para ter direito ao benefício, porque as mulheres em geral costumam ter dupla, tripla jornada de trabalho. As mulheres camponesas chegam a ter quatro frentes de trabalho, sem considerar que elas começam a trabalhar na lida da produção muito cedo. Então ao igualar a idade, as camponesas perdem 10 anos para terem direito à aposentadoria e vários outros fatores como por exemplo, as mulheres camponesas e os homens camponeses são segurados especiais porque ajudam com a Previdência pelas contribuições indiretas e isso acaba também com a reforma. Ou seja, para nós, o que o governo está fazendo é um desmonte completo da Previdência e isso afeta diretamente o camponês, que só conseguiu o benefício através da Constituição de 1988. Antes disso eles não tinham direito à aposentadoria. No máximo conseguiam uma pensão que era equivalente a meio salário mínimo.
Além da Previdência, quais outros projetos que vão em direção contrária aos camponeses?
O governo Temer, no apagar das luzes, no dia 22 de dezembro de 2016, emitiu a Medida Provisória 759, que é a MP da reforma agrária. Essa medida tem por intuito acabar com distribuição mais justa das terras, por exemplo, municipalizando a realização dos assentamentos e daí a gente sabe que os municípios por enes fatores que vai desde a estrutura à politicagem não têm condições de implementar a reforma agrária e que isso seria uma medida para acabar com a possibilidade da gente conquistar algum assentamento. Outra ação prevista nesta medida é a emancipação, eles usam esta palavra, mas a gente tem usado a palavra privatização dos lotes da reforma agrária que é quando você dá uma área para o assentado então a terra deixa de ser pública e se torna privada, só que junto com o título o assentado adquire uma dívida e a gente sabe que hoje, pelo pouco investimento das políticas dele permanecer no lote, é um incentivo para vender o lote. Então a avaliação que o movimento tem feito é que esse processo de titularização dos assentamentos nos próximos 15 anos vai tudo para o agronegócio, em torno de 80 milhões de hectares, que são áreas em que estão os camponeses mas que dentro das condições de emancipação, onde toda sobrevivência se torna responsabilidade do pequeno parceleiro se realizando no mercado é uma forma de expulsá-lo daquela região.
E a questão da venda de terras a estrangeiros?
Nós achamos que enquanto haver um brasileiro sem terra, as terras brasileiras têm que ser destinadas aos brasileiros e não é uma falta de internacionalismo. O MST é uma organização que tem a política internacionalista tanto que a gente tem brigadas em várias partes do mundo e recebe militantes de várias partes do mundo, mas achamos que é uma questão de soberania de primeiro garantir a vida digna a quem é brasileiro até porque quem vem do país estrangeiro não é quem precisa de fato mas são as grandes corporações. Essa legislação da liberação de venda de grandes terras para estrangeiros é uma afronta a nossa soberania nacional, é uma afronta à população brasileira que vive sem terra, que vive sem dignidade e que não aceitamos. Temos puxado uma campanha que toda terra estrangeirizada ela deve ser ocupada por brasileiros na defesa do seu território, da sua soberania social e alimentar.
Voltando a questão dos agrotóxicos, o estado de Mato Grosso é um dos maiores consumidores do mundo. Como fiscalizar isso?
Têm várias formas para controlar e fiscalizar. Se a legislação existente hoje fosse implementada, haveria um controle maior do uso do que há hoje. No entanto há uma ausência total do Estado. A ideia de que o agronegócio é a salvação da lavoura passa como os males decorrente do agrotóxicos são os males menores. No entanto isso tem contaminado populações e outro problema sério é que em muitas regiões em que há conflito pela posse da terra, há uma probabilidade do agrotóxico estar sendo usado inclusive como uma arma química de repressão às organizações sociais. Então o que a gente tem observado. Primeiro, a falta total de controle sobre o uso, o Indea há cinco anos não consegue fazer o controle do que entrou, do que saiu de agrotóxico dentro do estado de Mato Grosso. Nem das notas fiscais, nem do produto que sai regularizado ele não consegue. Outra questão que a gente nota é que em áreas de conflito, a pulverização aérea tem sido utilizado sistematicamente sobre comunidades e registrado como “acidente.” Têm-se registro dos xavantes de Marãwatsédé e têm-se registro com a população em Nova Guarita.
Esse ano fui em Alta Floresta e peguei registros em mais três comunidades que está rodeada pela soja. O avião sobrevoa e pulveriza em cima e sai registrado como “acidente” pelo fator vento. Outra coisa é de fato a entrada de produto sem autorização. Por exemplo o Benzoato de Amamectina que foi reprovado pela Anvisa e pelo Ibama pelo alto grau de toxidade e no entanto o Mapa fez uma portaria falando que se acaso tivesse uma emergência fitossanitária poderia importar os produtos proibidos pela Anvisa e daí o Benzoato de Amamectina foi importado e pulverizado em Mato Grosso, na Bahia e está sendo utilizado este ano no estado de Mato Grosso do Sul. Ou seja, a análise de saúde e ambiente não importa se análise econômica for mais importante. Não há uma aplicação real da legislação que já existe. Outra coisa é a alteração legal. Hoje está tramitando no Congresso Nacional o PL 7200/2016, que altera toda lei do agrotóxico, inclusive altera o nome “agrotóxico” para “produto fitossanitário” e libera a pulverização aérea de agrotóxicos em cidades desde que haja uma incidência de epidemia. É um problema sério, porque ano passado naquele grande foco da chikungunya , da zika e da dengue principalmente no nordeste, a Fiocruz comprovou que o produto utilizado para combater o mosquito causava mal formação congênita, microcefalia que ele causava todos os problemas que estavam sendo atribuídos ao mosquito.
Mesmo a mídia repercutindo os malefícios do agrotóxico, a Anvisa não tomou nenhuma providência?
A Anvisa teve um período bastante combativa, ela pediu reavaliação e banimento de vários produtos, mas ela tem um problema que a gente já debateu no Incra. Os principais cargos não são medidos pela capacidade técnica mas pelas relações políticas. Pelo Mapa ter grande força dentro do governo, mesmo o anterior, se alterou as direções da Anvisa e não têm sido considerados pareceres técnicos da agência. Assim como os pareceres da Fundação Oswaldo Cruz, assim como do Ibama, em relação aos agrotóxicos que têm uma relação direta com a liberação dos transgênicos. Quanto mais libera os transgênicos, mas agrotóxicos tem que liberar e mais forte tem que ser o veneno. Para se ter uma ideia disso, o Randap ele é extremamente perigoso apesar de ter uma classificação 4. Ele está muito vinculado a incidência de câncer e autismo que é uma doença difícil de ser diagnosticada tanto que pelo SUS quase nunca se consegue o diagnóstico de autismo. No entanto ele era um agrotóxico de menor poder residual. Como a soja RR, desenvolvida pela Monsanto que tornou-se resistente ao Randap e foi preciso utilizar no processo de dissecar, produtos mais tóxicos como o Paraquat 424D. O 424D é um dos itens do agente laranja, utilizado na guerra do Vietnã que libera uma toxina que é altamente letal e com índice de permanência no ambiente muito longo. Ou seja tem uma vinculação direta do uso do agrotóxico a liberação dos transgênicos.
Impeachment da Dilma foi golpe?
Foi golpe. Não foi apenas porque tiraram a presidente sem crime algum. Mas foi golpe pela necessidade do capital implementar diversas políticas que entrou na pauta em seguida, após o impedimento. Temos muita clareza disso. Ele não se dá somente no momento da votação, mas com as políticas implementadas. Outro dia eu disse para um companheiro que a gente que estudou 1964 (golpe militar), agora a gente vê 64 acontecendo e as medidas do AI1, 2,3 sendo implementadas contra organizações sociais como a retirada de diversos direitos, a entrega das nossas riquezas como o pré-sal e a criminalização das organizações sociais.
Quais as próximas ações programadas do MST?
Nós temos a Jornada de Lutas no mês de abril, onde relembramos o massacre de Eldorado de Carajás, quando 21 trabalhadores foram assassinados na Curva do S, no Pará e também denunciamos todos os crimes do campo que têm aumentado, tanto de assassinatos como prisões de sem terras. Este ano nós estamos com outras organizações na construção da grande marcha nacional na primeira quinzena de agosto, por terra, por trabalho e por teto, três fatores essenciais da vida que estão sendo retirados por esse governo. A meta é chegar a Brasília com 1 milhão de pessoas para dizer que não aceitamos a retirada de direito dos trabalhadores e que estamos dispostos e dispostas ir à luta. Em abril Fora Temer, pela reforma agrária, por nenhum direito a menos, pela punição dos assassinatos no campo e pelo assentamento imediato de todas as famílias e de todas organizações que estão embaixo da lona.
*Mais fotos da marcha das mulheres você encontrará na pagina de álbuns do Facebook do Sindsep. São quase 200 fotos. Acesse o link abaixo
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