Diante do Estado de Calamidade Pública e das medidas de isolamento social que fecharam comércios e instituíram teletrabalho para milhões de pessoas, o Governo Federal tenta ora minimizar a situação, ferindo recomendações de especialistas em saúde, ora reduzir salários dos trabalhadores sob argumento de "preservação do emprego". Nesta semana, a Medida Provisória 927/2020, assinada pelo presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) e o ministro da Economia Paulo Guedes, permite a suspensão de salários dos trabalhadores da iniciativa privada, mesmo com a retirada do artigo 18º do texto apresentado ao Congresso Nacional.
Parlamentares que aguardavam ansiosos pelo envio da proposta de reforma administrativa que o governo prometeu, mas ainda não divulgou, aproveitaram o momento e esboçaram minuta de projeto de lei que prevê redução de até 50% do salário dos servidores e empregados públicos. Assinado pelo deputado federal Carlos Sampaio (PSDB-SP), o documento foi protocolado ontem, 24, mas deve ter tramitação interrompida por acordo feito entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, segundo informantes do Congresso.
O argumento usado neste momento para acelerar uma possível redução salarial dos servidores públicos é cruel: se o governo quer suspender salários dos trabalhadores da iniciativa privada, seria "justo" cortar dos servidores também. A alegação é mentirosa, já que justo seria não cortar salário de ninguém, e coloca a classe trabalhadora em disputa entre si, sendo que o grande inimigo da nação são os empresários apoiadores da campanha eleitoral de 2018 de Jair Bolsonaro e os detentores das grandes fortunas, que somam apenas 1% da população.
Conhecedores da máquina pública, das capacidades e necessidades do Estado, servidores públicos competentes em suas atribuições condenam as ações do governo no enfrentamento à crise econômica e sanitária de nível mundial e indicam outros caminhos alternativos, práticos e eficientes, que certamente resolveriam a situação para todos os brasileiros:
1. Revogação imediata da Emenda Constitucional 95/2016, que congelou os investimentos públicos por 20 anos, inclusive em saúde e educação, áreas essenciais para tratamento da pandemia e para descoberta de medicamentos para cura dos afetados. Desde que foi aprovada, a emenda retirou R$ 20 bilhões do Sistema Único de Saúde. Também foram cortadas milhares de bolsas de pesquisa científica. Este recurso foi desviado para pagamento da dívida pública e outros gastos do sistema financeiro.
2. Suspensão imediata do pagamento da dívida pública. A previsão de gasto para 2020 ultrapassa R$ 1,5 trilhão, valor muito superior à suposta economia que o governo diz que terá pelos próximos 10 anos com os resultados da reforma da Previdência aprovada em 2019.
3. Taxação das grandes fortunas. O número de bilionários no Brasil aumenta a cada ano, independentemente de crise econômica, porque é na crise que os ricos ficam mais ricos. Já são 50 nomes que estampam a capa da revista Forbes. Em 2019, os três maiores bancos privados do Brasil, somados, tiveram lucro de R$ 63 bilhões. Enquanto o governo quer redução de salário dos trabalhadores, quanto será que Bolsonaro pediu às grandes empresas para contribuir no combate ao coronavírus?
4. Investimento em assistência social. Além dessas medidas, a Auditoria Cidadã da Dívida mostrou que o País tem mais de R$ 4 trilhões em caixa. Não há razão para economia no momento.
Para a Condsef/Fenadsef, o Estado precisa investir recursos em serviços públicos e assistência social. O corte de salários de trabalhadores é opção ilegal e injusta, mas conveniente para governo, que não terá atrito com os apoiadores de campanhas eleitorais bilionárias. Para o Secretário-geral da Confederação, Sérgio Ronaldo da Silva, todos os trabalhadores devem se unir contra a postura do presidente Jair Bolsonaro no enfrentamento à crise. "Ele está se mostrando irresponsável e perigoso para a população, querendo colocar mãe e pais de família em possíveis situações de contágio, ameaçando cortar salários. Pelo mundo inteiro os países estão cuidando de seus habitantes, mas aqui vemos o contrário. É inadmissível, temos que gritar diariamente pelas janelas", critica.
O projeto de lei protocolado ontem, que prevê redução dos salários dos servidores públicos, caso tramite e seja aprovado, não terá impacto positivo nos cofres públicos. Isso porque, segundo avaliação do consultor sindical Vladimir Nepomuceno, o dinheiro arrecado com possíveis cortes seria mínimo. "Seria um ato político, mas não arrecadaria dinheiro. Por mais que o governo passe a impressão de que os servidores ganham muito, a maioria recebe até R$ 2.500. Quem tem salários altos são grupos muito pequenos", explica.
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